segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Como ser amiga de uma mulher linda


Acho que de todos os exemplos, o do cabelo é o mais cruel. Ela tem um cabelo escuro, liso, brilhante. No sol, fica meio avermelhado e as pessoas a param na rua pra perguntar "que cor maravilhosa é essa?" e ela responde "a minha...". O cabelo é tão bom, mas tão bom, que pra dar um "tchans" ela usa xampu vagabundo. E o resto dos mortais misturando dezenas de fórmulas importadas pra conseguir sair de casa sem parecer que está há séculos numa gruta de neandertais.
Às vezes ela diz "espera eu me arrumar, não posso ir assim" e eu fico olhando e pensando que nem em oito horas num salão de beleza eu alcançaria a perfeição que ela atinge apenas de regata, shortinho, cabelo preso, chinelo e pomada na cara. Ter como melhor amiga uma mulher linda é receber todos os dias um soco na boca do estômago. Você com fome, a bile te queimando por dentro...e ela vem, de pomada na cara e cabelo preso, e termina de te rasgar. E você sorri "tá, eu espero...".
Em seu currículo existencial tem sempre uma amiga que sumiu. Tenho dó. É preciso muita coragem, força e uma dose de masoquismo pra estar ao lado de tamanha beleza. Ela diz "poxa, a Aninha vivia aqui, de repente... sumiu". E eu penso "antes de desistir a pobre Aninha deve ter tentado cirurgias plásticas, terapia, botox, ácidos, dietas, exercícios...quando viu que não tinha jeito, o jeito foi fazer de conta que você não existe.".
Alguma mágica interestelar combinada com alguma natureza esplêndida fazem, diariamente, com que todos os salgadinhos escrotos, sanduíches macabros e refrigerantes grotescos que ela consome não grudem na parede de suas nádegas. Quando ela ajeita a canga na praia, pra deitar, eu me divirto com as mulheres em volta, todas com a educada exclamação "sua vaca" tatuada na íris.
Numa fase meio deprimida (sim, mulheres lindas também ficam #chatiadas), ela resolveu que só sairia na rua com a boca muito pintada de vermelho. Os cabelos levemente cacheados pelo xampu vagabundo eram rococós que emolduravam a sua boca enorme, bem desenhada e, agora, na versão cor do pecado. E sempre alguém, numa roda de amigos, pergunta "essa boca volumosa é sua?" e ela sem graça responde "é, nasci assim...". Ela sempre se desculpando por ser linda e os outros sempre fantasiando que sua beleza não é real, numa tentativa de desculpá-la. "E esses cílios longos e enormes e muitos...". "São meus...desculpa".
Mas muito mais sofrido do que estar com ela é não estar com ela. Tem sempre um desgraçado que me vê de longe e atravessa a rua correndo. "Tati, quanto tempo!!! Queria MESMO MUITO falar com você". E eu já sei que é pra perguntar se minha esteticamente afortunada amiga está finalmente solteira. E ficamos então alguns minutos num papo super profundo. Linda, né?
Nossa, muito. Bem linda mesmo. Porra, linda pacas. É, linda demais. Lindapacarai. E então eles começam a gemer. E eu já nem ligo mais, mas no fundo sempre ligo.
Certa feita fui convidada para um show do Caetano Veloso. Me arrumei toda, tadinha. Me maquiei toda, tadinha. Comprei até sapatinhos novos. Tadinha. O cara até gostava de mim, até me achava bonita, mas eu vi o momento exato em que ele, ao notar minha amiga num decote preto e rendado, dividiu o universo entre antes e depois. E eu ficaria pra sempre no antes.
Estar ao lado de minha estonteante melhor amiga é assinar pra sempre um pacto com o prêmio de consolação. É escolher pra sempre ser a garota ao lado, a amiga da, a outra. É estar tão longe do centro das atenções que preciso de uma lupa para vislumbrar o lugar dos preferidos. É ensebar a franja de tanto que dói ser invisível.
Em nome de uma vida mais digna, eu poderia, assim como fez Aninha e uma boa gama de amigas mais frágeis, ter partido. Mas o fato é que na madrugada de um voo para Londres, no qual eu (com o velho e já sabido e muito analisado pavor de aeronaves) me dopei com algumas tarjas pretas, a beldade universal em forma de amiga teve por mim uma paciência jamais vista nem nos melhores dias de mamãe. Ela acordou de duas em duas horas para ver como eu estava. E eu estava muito drogada mas pude acompanhar seu passinhos lindos pelo corredor, sua mão quente (com unhas perfeitamente abençoadas pela cor da moda) acariciando meu braço, tudo pra checar se eu me comportava como uma mulher de trinta e quatro anos ou tinha virado um demônio da Tasmânia e quebrado tudo.
Em nome de uma vida menos humilhante, eu poderia ter dito "gata, fui, parti grandão, desejo que você e a sua fantástica beleza sejam muito felizes lá na putaqueopariu" mas o fato é que o espetáculo em forma humana é a porra da minha melhor amiga. É quem me liga todos os dias pra saber como estou. É quem segura minha mão quando eu tenho ataque de pânico. É quem esteve em minha casa em todos os meus términos de namoros, gripes, colites intestinais e confusões mentais.
A mulher muito bonita sabe que, em sua maldita sina de perfeição solitária, só lhe resta ser tão legal, mas tão legal, que o legal seja ainda mais incrível que seu cabelo e sua cintura e sua batata da perna. Já à mulher "inteligentinha e engraçada", classificação que nos salva no colégio e segue nos salvando pelo resto da vida, cabe tirar o melhor proveito disso e transformar o resto em piada.



" O julgamento do belo é determinado por variáveis pessoais. Além disso, fenótipo é apenas parcialmente determinado pela genética..."

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